sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Relato de parto - Parte 4: Gravidez e pré-natal

Como contei na parte 2 do meu relato, eu descobri a gravidez com 1 mês, em novembro de 2013, e após procurar muito decidi que faria o pré-natal com o médico que aceitava fazer parto pelo plano de saúde.
Mas, no final de dezembro eu resolvi fazer o acolhimento (reunião que acontece todas quartas e apresenta a casa e o trabalho que ela realiza) na Casa Ângela. Eu já tinha lido, já tinha conversado com Lídia sobre o modelo da Nova Zelândia que dá essa opção às mulheres (e já tinha visto também no filme O Renascimento do Parto e na série Parto pelo Mundo na GNT) e fiquei bem entusiasmada com essa possibilidade. Era a opção perfeita para não parir em hospital.
Antes de ir no acolhimento, apesar de toda informação, eu tinha um pré-conceito imenso. Como parir em um lugar sem médico? Após o acolhimento, me senti mais segura, mas não o suficiente para decidir parir lá. Todas as pessoas com as quais eu comentava diziam que era loucura... eu comecei a não falar mais nisso e segui a vida com o meu obstetra fofo que me dizia que eu estava caminhando para um parto normal lindo.
Depois de um tempo, conversando com Priscila, uma amiga que também estava grávida e também sonhava com um parto normal, comecei a falar do sistema para ela, que até então achava que seria tranquilo parir. Ela começou a pesquisar também sobre o assunto e me trazia informações novas. No meio de uma conversa falei sobre a Casa Ângela e ela resolveu ir lá conhecer. Após fazer o acolhimento ela decidiu ter filho lá. Nessa mesma época eu estava descobrindo as coisas (que relatei na parte 2) sobre meu obstetra e estava me sentindo super insegura e sem saber o que fazer.
A decisão firme de Priscila, me deu uma força imensa, e eu decidi também. Meu filho nasceria na casa Ângela. E a partir daí me senti em paz.
Continuei o pré-natal com o obstetra pois eram necessários os exames e com o pedido médico eu os fazia pelo plano de saúde. A cada consulta com ele eu tinha certeza que tinha tomado a decisão certa. 
Infelizmente, esse não é o tipo de decisão que dá para compartilhar com todos. Só de saberem que eu queria o parto normal, já ouvia tanta coisa bizarra, resolvi guardar para mim e meu esposo, e foi a melhor coisa que fizemos.
Após decidir, fizemos os cursos preparatórios que a Casa Ângela oferece, e a cada curso me sentia mais emponderada, informada e feliz.
Num desses cursos, conheci pessoalmente uma amiga do Facebook, chamada Viviane, que também iria parir lá. E fazíamos os cursos as 3 juntas, e a nossa turma de cursos era ótima, e as experiências de um casal dava força ao outro.
E a minha gravidez foi assim... tranquila, saudável, feliz... e me trouxe amizades preciosas. Com exames ótimos, gravidez de baixo risco e apta a parir na casa de parto.
É importante esclarecer aqui que para parir numa casa de parto a gestação DEVE ser de baixo risco, e os critérios são bem rígidos. Não é tão simples parir lá. Não é na louca, na irresponsabilidade. É um local sério, com um trabalho sério, feito por profissionais sérias.
Quem me conhece sabe que de irresponsável eu não tenho nada, e era isso que mais me irritava nos comentários bizarros que eu tinha que ouvir. As pessoas falam para uma grávida, coisas que não deveriam falar nem para uma não grávida.
O pré-natal na Casa Ângela era muito melhor e muito mais produtivo do que as consultas com o obstetra. 
Mantive o pré-natal com o obstetra também, para caso não pudesse parir na Casa Ângela, ter ele como um plano B.
Viviane pariu quando eu estava com 6 meses. Foi maravilhoso e extremamente fortalecedor ver alguém que trilhou o caminho que eu estava trilhando, e conseguiu chegar ao destino tão esperado: um parto natural, humano, respeitoso, na Casa Ângela.
Dois meses depois, foi Priscila, chegou lá parindo e teve um parto lindo na banheira, com bebê empelicado.
Ver as experiências positivas de pessoas tão próximas me dava uma paz... e foi assim que esperei a minha hora, em paz! Confiando nas profissionais que aprendi a admirar ao longo dos meses, confiando em Deus e no meu corpo.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Relato de parto - Parte 3: A cesárea e o sistema

Quem escolhe ter filho por parto normal ouve coisas demais. As pessoas resolvem passar os noves meses te aterrorizando. Ainda que você se sinta segura, que você esteja bem informada, você ouve absurdos. E por isso eu gostaria de falar sobre alguns pontos antes de continuar o meu relato.

Cesárea

Algumas pessoas não entendem que existe uma grande diferença entre defender o parto normal como melhor forma de chegar ao mundo (tanto para mãe quanto para o bebê), e odiar a cesárea.
Então eu preciso dizer com todas as letras: eu não odeio a cesárea. Eu acho ela um avanço incrível da medicina. Uma cirurgia maravilhosa que salva muitas vidas quando indicada adequadamente.
Mas, eu odeio o sistema cesarista que existe no Brasil. Detesto o fato dos médicos e das mulheres acreditarem que quem faz o parto é o médico. 
Eu ouvi várias vezes coisas do tipo: "Eu escolhi minha cesárea, e não me arrependo.". Mas, isso de escolher cesárea não existe. Se você que diz ter escolhido a cesárea pedir para ver o prontuário da sua cirurgia, descobrirá que o seu médico jamais escreveria nele que fez a cesárea por que você escolheu. E sabe por que? Por que isso é ilegal, isso não existe. Ninguém saudável escolhe fazer uma cirurgia. Ninguém chega num consultório e diz ao médico que acordou com vontade de tirar o apêndice por que ele pode vir a dar problema algum dia. Um médico só tira seu apêndice se for necessário. E nessa linha de raciocínio eu sempre me questionei do motivo que leva uma mulher saudável, com pré-natal tranquilo e gravidez de baixo risco (importante esclarecer que não existe gravidez sem risco) a pedir por uma cirurgia.
Ainda pensando na cirurgia, eu sempre fiquei viajando no fato dos médicos indicarem cesárea para quem tem pressão alta ou diabetes. Eu acompanhei o último ano de vida do meu avô, e ele tinha esses dois problemas, e tinha também catarata. Para conseguir operar da catarata demorou uns meses, e ainda assim tivemos que assinar um termo de afirmando que estávamos cientes dos riscos de se fazer uma cirurgia nestas condições. Como que pressão alta e diabetes são motivos para cesárea? Sempre achei isso super estranho e hoje sei que são dois motivos usados levianamente por médicos "desinformados"(?) para induzir suas pacientes.
Não existe escolha se você não tem consciência do que está pedindo ou aceitando, e na maioria esmagadora dos casos é assim.
Você pode até ter pesquisado muito, ter descoberto que a cesárea sem indicação tem 4 vezes mais risco de morte materna e 10 vezes mais risco de morte neonatal, e que essa história de que é muito mais seguro que o parto normal é conversa para boi dormir, mas ainda assim ter optado pela cesárea.Teoricamente, esse é um direito seu e um problema seu também, e nem eu, nem ninguém tem nada a ver com isso (levando em consideração que o bebê não tem escolha).
Mas, aí eu me pergunto: onde está a ética do seu obstetra? E mais... será que mesmo sabendo de todos os riscos, você optou pela cesárea porque estava a fim, ou foi por medo da violência obstétrica? Será que marcar uma cesárea por medo da dor do parto é mesmo uma escolha?
E quando você pediu a cesárea seu médico te esclareceu dos riscos envolvidos, como fazem em todas as cirurgias? Ou será que ele fez cara de fofinho e aceitou numa boa?
Existem pesquisas que mostram que no Brasil a maioria das mulheres no inicio da gravidez preferem o parto normal, mas durante o decorrer do pré-natal isso muda. 
Eu conheço muitas mulheres (muitas mesmo!) que queriam o parto normal, mas acabaram na cesárea. Você já parou para se questionar sobre isso? Eu já... e é por essas mulheres que eu resolvi escrever. 
Para quem se informou e escolheu a cesárea, o Brasil é o paraíso. Mas, acredite, a maioria das mulheres "escolhe" a cesárea por falta de informação ou por medo. E uma outra grande parte delas não escolhe, é levada a acreditar que é incapaz de parir, e por isso aceitam a cesárea.
E aquelas que se informam, enfrentam um martírio para conseguir parir. Por isso existe um ativismo cada vez mais forte aqui no Brasil. Ter um filho de forma natural não pode ser tão difícil e tão cansativo como é hoje.
Mas, por favor entenda: eu não odeio a cesárea, não acho que quem escolhe de forma consciente a cesárea é menos mãe, nem quem foi enganada e teve seu parto roubado. Isso de menos mãe não existe, a forma que o seu filho nasceu não determina a mãe que você será para ele.

Parto normal x vaginal

Infelizmente no Brasil existe um terror em volta do parto. Crescemos ouvindo falar de violências que as mulheres sofrem nos hospitais quando tem parto normal (violência obstétrica). Coisas do tipo: 
"Você vai sentir a pior dor da sua vida.". A pior dor da minha vida foi quando tive pedra no rim. E dor também é relativo e muito pessoal. Existe uma grande diferença em dor e sofrimento.
"Sua vagina vai ficar frouxa.". Não vou entrar em detalhes pessoais sobre esse assunto, mas não, minha vagina não ficou frouxa. 
Eu só fico abismada em ver pessoas esclarecidas falando esse tipo de asneira, e se preocupando se os maridos machistas iriam gostar da sua nova vagina. Sinceramente, se o seu casamento é baseado apenas nisso, eu acho que vocês precisam conversar.
"Vão te fazer um corte.". Esse corte se chama Episiotomia, e infelizmente é feito como rotina aqui no Brasil, mas isso está mudando. Já existe comprovação cientifica de que esse corte não ajuda em nada o parto, e que uma laceração natural, por maior que seja, é menos agressiva que ele.
"A cesárea é mais segura. Antigamente morria muita gente no parto.". Logicamente, em um parto normal que muitas vezes acontecia de forma precária, sem nenhum exame e nenhum acompanhamento pré-natal, as chances de existir uma complicação não prevista é muito grande. O que matava as pessoas era a falta do acompanhamento, dos exames que temos hoje, e ainda assim, se o parto fosse tãooo perigoso como dizem acho que não teríamos chegado até aqui né? A humanidade evoluiu por milhares de anos nascendo por via vaginal.
Se durante o pré-natal for diagnosticado algum motivo real de cesárea, ela será bem vinda, caso contrário, a vida vai seguir seu rumo, e o bebê vai nascer.

O sistema atual

É muito triste constatar que infelizmente o sistema obstétrico é assim: não existe indicação real de cesárea, mas ou você aceita a imposição da cesárea acreditando que escolheu por ela ou que ela foi de fato necessária, ou você tem um parto VAGINAL cheio de intervenções.
O parto conhecido aqui no Brasil como normal, não é normal, é apenas um parto vaginal, no qual a mulher sofre violências de vários tipos... episiotomia, ofensas verbais, ocitocina sintética desnecessária (usada apenas para acelerar a dilatação), e por aí vai...
Se você conversar com alguém que teve um parto vaginal, e não foi feliz, vai perceber que o problema não foi o parto, mas a violência sofrida.
Quem pariu de forma digna, respeitosa e tranquila, jamais fala mal do parto.
Na minha opinião a violência mais comum e que a maioria nem sabe que é violência, é o uso indiscriminado de ocitocina sintética. O famoso sorinho. Existe uma distância absurda entre dilatar naturalmente, com tranquilidade, no ritmo do seu corpo e do seu bebê, e dilatar de uma hora para a outra com ocitocina na veia, abrindo o colo do seu útero a jato... isso realmente deve doer... e isso é o que mais acontece nos hospitais aqui no Brasil. Geralmente a dor absurda que as mulheres dizem sentir vem desse procedimento.

O movimento da humanização

Existe no Brasil um movimento em prol da humanização que tem ganhado cada vez mais força. Isso é maravilhoso e extremamente necessário.
Quando alguém morre num parto é feito todo um alarde, mas existem milhares de mães e bebês morrendo em consequência de cesáreas desnecessárias e ninguém fica sabendo.
Graças ao ativismo de pessoas que dedicam a vida a esse assunto o quadro no Brasil está melhorando. 
Ainda estamos longe do ideal, mas todo destino tem um caminho a ser percorrido né? 

Parto com médico obstetra

Eu percebo que aqui em São Paulo e também em Salvador os médicos obstetras não estão mais aceitando fazer parto pelo plano de saúde. Pela cesárea eles cobram um valor alto... pelo parto normal o valor é ainda maior, pois existe a disponibilidade...
Os obstetras que fazem parto humanizado também não aceitam plano de saúde. 
No geral os obstetras (humanizados ou não) alegam que o plano paga valores absurdos para o tamanho da responsabilidade e pelo tempo despendido também. Concordo.
Mas, eu tenho a sensação que estamos fugindo de um sistema onde a cesárea impera (pela praticidade que o médico tem de agendar e manter o consultório funcionando), criando outro sistema onde só pode parir de forma humanizada com um médico obstetra quem tem dinheiro. Isso me incomoda. Isso não é humanização, é tirar proveito de uma oportunidade de mercado, uma vez que muitas mulheres estão se conscientizando de que um parto natural é melhor.
Há quem defenda os médicos humanizados, alegando que eles estudaram anos, que eles gastam com especializações, etc e tal... mas também temos que lembrar que muitos deles estudaram em faculdades públicas muito boas mantidas com os nossos impostos, que eles fizeram um juramento, e que eles quando escolheram a especialidade obstétrica sabiam que teriam que ter essa tal disponibilidade pela qual hoje resolveram cobrar... Eu não acho coerente, e nem mesmo ético, se denominar humanizado, e cobrar valores que poucos brasileiros tem condições de pagar. 
Quem no Brasil ganha 8 mil por mês? Poucos, pouquissímos! 
O que está acontecendo é que o parto humanizado, infelizmente, está sendo elitizado, e na minha opinião esse não é o melhor caminho. 
É necessário que outros profissionais sejam inseridos no contexto do parto. Enfermeiras obstetras e obstetrizes, e isso já vem acontecendo! Dessa forma o valor do parto é reduzido e mais próximo da nossa realidade.

Casas de parto

Eu sei que infelizmente não são todas cidades que possuem uma casa de parto, mas se você tiver a oportunidade de ter filho em uma, de forma humanizada e com respeito, eu considero a melhor opção.
Se a sua gravidez é de baixo risco, e seu pré-natal foi tranquilo, você consegue parir. Quem pare é a mulher, o médico, enfermeira, seja lá quem for, assiste (dá assistência).
Existem países onde as mulheres tem a opção de escolher onde se sente mais segura para ter bebê. Essa é a recomendação da OMS. 
É o caso da Nova Zelândia, onde a mulher pode escolher entre hospital, casa de parto ou sua própria casa. O médico só é acionado quando necessário, e o custo do parto é reduzido. Eu sonho em ver esse modelo aqui no Brasil.
Um primeiro passo foi dado com o Programa Rede Cegonha, mas ainda há muito a ser feito.
Enquanto isso, nós mulheres temos que nos informar, e lutar pelos nosso direitos.